Entre as dimensões do afeto e direitos sociais: as múltiplas formas do primeiro-damismo brasileiro e suas conexões com as políticas de assistência social (1995-2020)

Abstract

A presente pesquisa analisa o protagonismo das primeiras-damas nos governos de nível federal, de 1995 a 2020, no que envolve as políticas de assistência social. Denominado “primeiro-damismo” pela bibliografia especializada, essa prática se tornou comum no cenário político brasileiro a partir da Legião Brasileira de Assistência (LBA). Fundada em 1945, a LBA foi responsável pela construção de um modelo de atuação pública para as primeiras-damas de Estado, o qual contribuiu para a aproximação da percepção sobre a assistência social à benesse estatal. Embora a Constituição de 1988 defina a assistência como um direito do cidadão a ser provido pelo Estado, e apesar de a LBA ter encerrado as suas atividades em 1995, observamos uma continuidade do primeiro-damismo e um protagonismo multifacetado das primeiras-damas em diferentes governos posteriores. Sabendo que a assistência social é um local de disputa e o primeiro-damismo representa um espaço para o exercício de poder na esfera pública, esta pesquisa busca responder a um problema central: qual a relação entre as políticas de assistência social desenvolvidas, o protagonismo das primeiras-damas e o projeto socioeconômico dos grupos políticos no poder? Trata-se de uma pesquisa qualitativa, cuja metodologia envolve o estudo de decretos, estatutos, leis, boletins de políticas públicas, jornais e revistas de circulação nacional. No que se refere aos conceitos teóricos que embasaram a pesquisa, o conceito de gênero é central nas nossas análises. Os mecanismos discursivos pelos quais o gênero opera nos servem aqui como ferramentas de interpretação das narrativas construídas sobre o primeiro-damismo, o que nos possibilita compreender as formas pelas quais as narrativas sobre as mulheres são produzidas, organizadas e perpetuadas e, por fim, como as mulheres utilizam desse discurso para defender os seus próprios ideais. Para tanto, o trabalho foi dividido em três capítulos: o primeiro aborda o primeiro-damismo de Ruth Cardoso, o Programa Comunidade Solidária e a relação com as políticas neoliberais do governo Fernando Henrique; o segundo capítulo trata do primeiro-damismo em Marisa Letícia, durante os governos neodesenvolvimentistas do Partido dos Trabalhadores, marcado pelo esforço em profissionalizar a assistência social; e, por fim, o terceiro capítulo abrange a ausência do primeiro-damismo nos governos Dilma Rousseff e a relação dessa ausência com os primeiros-damismos seguintes, de Marcela Temer e Michelle Bolsonaro, caracterizados pelo neoconservadorismo e um projeto de intensificação neoliberal na esfera socioeconômica. Assim, buscamos analisar como o primeiro-damismo influenciou – e ainda influencia – nas políticas nacionais destinadas a população empobrecida.